Não sei bem o que dizer sobre mim.
Não me sinto uma mulher como as outras.
Por exemplo, odeio falar sobre crianças, empregadas e liquidações.
Tenho vontade de cometer haraquiri quando me convidam para um chá de fraldas e me sinto esquisita à beça usando um lencinho amarrado no pescoço.
Mas segui todos os mandamentos de uma boa menina: brinquei de boneca, tive medo do escuro e fiquei nervosa com o primeiro beijo.
Quem me vê caminhando na rua, de salto alto e delineador, jura que sou tão feminina quanto as outras: ninguém desconfia do meu anti socialismo interno.
Adoro massas cinzentas, detesto cor-de-rosa.
Penso como um homem, mas sinto como mulher.
Não me considero vítima de nada. Sou autoritária, teimosa, impulsiva e um verdadeiro desastre na cozinha. Peça para eu arrumar uma cama e estrague meu dia.
Vida doméstica é para os gatos.
Tenho um cérebro masculino, como lhe disse, mas isso não interfere na minha sexualidade, que é bem ortodoxa.
Já o coração sempre foi gelatinoso, me deixa com as pernas frouxas diante de qualquer um que me convide para um chope.
Faz eu dizer tudo ao contrário do que penso: nessas horas não sei onde vão parar minhas idéias viris.
Afino a voz, uso cinta-liga, faço strip-tease.
Basta me segurar pela nuca e eu derreto, viro pão com manteiga, sirva-se.
Sou tantas que mal consigo me distinguir. Sou estrategista, batalhadora, porém traída pela comoção.
Num piscar de olhos fico terna, delicada. Acho que sou promíscua. São muitas mulheres numa só, e alguns homens também."
MM
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